Wednesday 8 January 2020

"Vencidos da Vida"

"Vencidos da Vida " (fotografia de P. Marinho, in Brasil-Portugal, a. II, 1900)


Hoje em dia deparamo-nos com dezenas de amigos e conhecidos que, se lhes pedíssemos, eram capazes de nos relatar com grande detalhe e em jeito de competição, toda a lista infindável de problemas que têm, não esquecendo nunca todas as teorias "se" que resolveriam os problemas, não fosse o "se". 
E é estranho, porque, quando pensamos nessas pessoas, achamos que elas vão ultrapassar os problemas. Nós não, nós é que temos problemas inultrapassáveis. Damos alento aos nossos amigos, somos bons ouvintes, damos bons conselhos, enfim... Somos amigos úteis e empáticos. 
Mas, de repente, entre o regressar a casa ao fim do dia, ou entre o atestar o carro e a fila de supermercado, lembramo-nos dos nossos problemas. E nunca é só um. São sempre vários. Afinal de contas, um mal nunca vem só. Então connosco... É certo como um relógio... Quase religioso. 
Somos os vencidos da vida. Não queremos admitir aos nossos amigos, para não soarmos melodramáticos, mas consideramo-nos aqueles que mais dissabores levam da vida. Se nos ouvissem as dores... O que diriam? Mas ouvem. E sentem, também eles, que são eles, afinal, os vencidos. 

Depois do encanto e da esperança num futuro brilhante, a geração de 70 viu-se reduzida a algum desencanto. O que antes podia servir de inspiração, passou a servir de motor mecânico que alimentava a engrenagem da desilusão pessoal de cada um. Tantas esperanças depositavas numa coisa tão frágil e imprevisível como o futuro. 
Pasma-me sempre pensar que foi este mesmo espírito coletivo taciturno que foi capaz de inverter a situação. Afinal de contas, os vencidos da vida tornaram-se capazes de vencer na vida, ainda que encarando posteriormente sátiras. 

Se pensássemos a fundo na nossa própria vida e nos pudéssemos ver com a lupa de outro alguém, víamos um vencido da vida. E satirizávamos. Que problema tão grave era esse que assolava a nossa alminha? Que lagriminha era aquela que teimava em querer arredondar, para parecer mais comovente e rechonchuda? E não haveria mal nisso. 
Talvez assim, com uma noção mais real de quem éramos e da dimensão real dos nossos idealismos e problemas, conseguíssemos ser mais producentes connosco mesmos.